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domingo, 9 de agosto de 2015

O incolor Tsukuru Tazaki e seus anos de peregrinação [Shikisai o motanai Tazaki Tsukuru to, kare no junrei no toshi] - Haruki Murakami (2013)


Mais um livro do Murakami sendo resenhado por estas bandas. Ainda tem alguém contando quantos já foram? De qualquer forma, para mim, os livros dele deixaram de ser surpresa. O que não quer dizer que deixaram de me agradar. Até por eu ter passado um tempo afastado desse japonês maluco, esse retorno me fez desenvolver certas teorias sobre o que é que atrai tanto os leitores aos livros dele. Não é como se Murakami fosse um mestre da literatura ou mesmo algo inédito - no Japão ele foi inédito, mas o tipo de literatura que ele iniciou por lá já era lugar comum no resto do mundo. Então por que ele é possivelmente a única celebridade literária, em tempos recentes, que conseguiu unir público e crítica?* Falemos de O incolor Tsukuru Tazaki.

Nos tempos de escola, Tsukuru fazia parte de um grupo de amigos. Era ele e mais quatro. Coincidentemente (ou não), os nomes de cada amigo de Tsukuru representam cores.  Tem o Vermelho, intelectual do grupo, filho de um acadêmico; o Azul, esportista carismático; Preta, rechonchuda extrovertida e engraçada; e Branca, corpo de modelo, beleza incomparável, boa pianista e extremamente tímida. Eles não se separaram uma vez que fosse por todo o período colegial, então veio a formatura e, os amigos Power Rangers ficaram em Nagoia, enquanto Tsukuru foi estudar engenharia em Tóquio. O grupo, ainda assim, seguiu trocando cartas e se reviam sempre que Tsukuru vinha visitar sua família. Até que, numa dessas visitas, quando ele liga para os amigos, nenhum deles o atende. Depois de muito insistir, Azul pede para que ele não ligue mais e avisa que Tsukuru foi expulso do grupo. Motivo? Ele não diz e Tsukuru, que faz o mesmo curso de como ser passivo que todos os outros protagonistas do Muraka frequentaram, não pergunta. Aceita a expulsão e se entrega por meses a um estilo de vida isolado e suicida. Dezesseis anos depois, Tsukuru tem um emprego estável e parece conformado com sua vida. Cabe a Sara, mulher que ele conhece e pela qual Tsukuru se apaixona, convencê-lo a ir rever seus amigos e solucionar esse mistério, já que a dúvida está prejudicando o psicológico e a vida afetiva dele com muito mais força do que ele imagina. Quando a pipa do Tsukuru finalmente não sobe, ele decidi peregrinar em busca de seus amigos. Peregrinação essa que dura alguns dias (os anos de peregrinação são referência a uma composição de Liszt muito citada durante o livro).

Pode parecer que eu disse muito com essa sinopse, mas isso é só o começo.

Fui me curando das minhas encrencas com Murakami depois de ler Hardboiled Wonderland. Foi o primeiro livro dele que, mesmo depois de tendo lido tantos outros, me deu uma sensação excitante de novidade. Talvez por isso eu tenha me decepcionado um pouco com Tsukuru. O surrealismo presente em Hardboiled, aquela impressão de ser atirado em um mundo completamente novo e bizarro, não existe nesse novo romance. Meu jeito de classificá-lo seria Norwegian Wood light. O que não é ruim, mas nunca fica bom. É insípido.

Um pouco da trajetória de Murakami para vocês que podem não estar cientes. (Senta que lá vem história...) Em 1979, quando Murakami publicou seu primeiro romance (Kaze no uta o kike, traduzido pro inglês como Hear the wind sing - Ouça o vento cantar), foi algo novo na literatura japonesa. Experimental, com doses surreais, totalmente diferente da literatura pessoal e autobiográfica na tradição japonesa. E foi por esse lado que Muraka seguiu, vendendo poucos milhares de cópias no Japão, formando uma base sólida de admiradores, mas ao mesmo tempo desprezado pelo público geral e pela crítica. Em 1987, famoso pela loucura em sua obra, ele decidiu dar uma volta de 180° e escrever uma história bem juvenil e realista. Isso virou Norwegian Wood. Surgiu o Murakami celebridade. Sendo um cara reservado, Muraka reprovou o clamor das multidões e fugiu do Japão. Os livros que vieram depois, principalmente Dance dance dance**, foram um retorno às raízes do seu trabalho. Talvez para ver se ele despistava o público. Talvez para apresentar ao novo público a verdadeira essência da sua literatura. Não sei, não conheço o cara. Só sei, pela entrevista que ele deu à Paris Review, que Norwegian Wood foi um livro calculado, com o objetivo de agradar o público japonês, a crítica, e vender milhões. Por mais que goste de Norwegian Wood, acabei me apegando ao lado surreal do autor e acho que é nesse território em que ele se encontra na sua melhor forma. Por isso, ver Tsukuru como um segundo livro realista, mas não tão bom quanto o primeiro.

O lado positivo é que, em certos aspectos, ele evita os clichês típicos do Murakami (isso vai ser visível quando eu mostrar os resultados do Murakami Bingo). É quase como se ele tivesse feito uma decisão consciente de escrever algo diferente dos livros mais recentes dele. Mas ele nunca se afasta tanto assim a ponto de tornar Tsukuru algo destacável na obra dele. Sim, ele não cita um artista de jazz que eu tenha percebido, tampouco cita cultura pop, não descreve orelhas femininas, nenhum gato dá o ar da graça (pasmem!), ninguém desaparece, não surgem passagens secretas e nem dimensões alternativas. Uma mulher (Sara) é, como sempre, a responsável por colocar a história nos trilhos, mas ela é muito menos ativa. Enquanto em livros passados as mulheres costumam pegar a mão dos protagonistas do Murakami e os puxar por toda a história, nesse ela só diz "por que você não faz isso?" e isso basta pra que ele ache e corra atrás do enredo.

Apesar disso, o protagonista é típico Murakami. Completamente passivo e solitário. Considera-se uma pessoa vazia, mas vai se descobrindo aos poucos e percebendo que não é bem assim. Não vive exatamente inserindo em seu meio, apenas se equilibra pelas bordas, sem tentar compreender ou fazer parte das coisas ao seu redor. Normalmente, os protagonistas do Murakami, mesmo compartilhando desses traços, têm um algo a mais que os torna diferentes um do outro. Tsukuru não. Tsukuru Tazaki é como o modelo bruto para esse tipo de personagem, mas sem nada esculpido no bloco. Isso pode até resumir o que esse livro foi pra mim. Típica obra do Murakami, mas sem toda a construção que se espera. Só aquele mesmo bloco genérico que ele usa sempre. Tantas vezes Tsukuru se descreve como uma pessoa vazia, que acabou se refletindo no romance todo.

Outro aspecto geral da obra do Murakami é o final aberto. Ele cria várias situações e mistérios, mas nem sempre os explora até o final. O que eu gosto. Mas não é esse o caso. Aqui os mistérios se concluem. E se concluem rápido demais. Eu diria que, se Tsukuru tivesse tomado a atitude de investigar os motivos de sua expulsão um mês depois do acontecido, ao invés de dezesseis anos, o resultado seria o mesmo. Bem sem graça. Mesmo assim, o final é aberto. O mistério é resolvido, mas o livro termina antes de um encontro que ele viria a ter com a Sara, como se cinco páginas do manuscrito tivessem se perdido. O que não me incomodou de forma alguma, afinal o que seria dito no encontro pode ser deduzido e não faz parte da peregrinação afinal. Não sei, acho que por anos de peregrinação eu esperava mais tempo tentando resolver o mistério principal, e não dezesseis anos de amargura somados a cinco conversas de solução. Minha culpa, talvez, não é bom criar expectativas.

Tendo dito tudo isso, esse livro não é de forma alguma ruim. Só é o mais fraco dentre os livros do Murakami que eu li, a ponto de eu não poder indicar nem pro leitor que já o conhece nem pro leitor que não o conhece. Indico praquele completista teimoso (eu), que, quando se apega a um autor, quer ler absolutamente tudo. Lógico que, nesse meio tempo, o contato com as obras inferiores desse autor faz com que a magia se perca - o que humaniza bastante o artista, e isso é bom. Tsukuru Tazaki é essa obra inferior, que, ao mesmo tempo, não destoa do resto da bibliografia do Murakami (não fica aquela dúvida "foi ele mesmo que escreveu isso).

Isso me leva a outro ponto. Por pior que eu tenha achado o livro, não foi uma leitura desagradável. Acho que o motivo disso foi o momento em que eu o li. Murakami - e essa é outra das minhas teorias sem fundamento - precisa de um clima para ser bem aproveitado. Ele é aquele tipo de autor que te entende. E eu precisava disso quando comecei a leitura. Não estava conseguindo avançar com livro nenhum. Perdia a concentração muito rápido por melhor que a escrita fosse. O único que me tirou disso foi o Murakami. E de certa forma ele sempre conseguiu fazer isso comigo, a ponto que minhas leituras dos livros dele foram se tornando terapêuticas. Creio que isso é porque a prosa do Murakami conseguiu atingir um grau de equilíbrio quase budista. Ele é literatura comercial pra quem não gosta de literatura comercial. Ele é alta literatura pra quem não gosta de alta literatura. No grande espectro literário, com E. L. James no grau mais baixo e James Joyce no grau mais alto, Haruki Murakami se encontra no centro exato, de modo que ele, no seu melhor, é capaz de agradar qualquer um. Por isso eu insisto que não foi uma leitura perdida, só não das mais agradáveis.

O resultado do Murakami Bingo ficou:

Pois é, quase nada.

Nota: 3/5

*Digo único e, com essa afirmação, estou excluindo o Knausgaard, porque o norueguês, ao contrário do Murakami, só fez grande sucesso com a crítica e na Noruega. Sim, ele foi traduzido para dezenas de línguas, mas o número de vendas dos livros dele, por mais fascinantes que sejam, é irrisória em comparação. A série do Knausgaard vendeu, em casa, centenas de milhares de cópias. O mais recente livro do Muraka, no Japão, vendeu um milhão na semana de lançamento. Esse número, no mercado literário contemporâneo, é sem precedentes - para um autor respeitado e premiado.

** Estou lendo agora Dance dance dance, passei da metade e logo vocês vão ter resenha aqui. É tanto um retorno às raízes que serve como um quarto filho bastardo da "trilogia do Rato" (composta pelos dois primeiros livros dele mais Caçando Carneiros). Muito superior a Tsukuro, mas um tanto redundante. Faltou um revisor pra dizer: você pode cortar essas tantas frases repetindo o sentido daquela primeira, basta escolher a melhor delas. De qualquer forma, estou achando que é um bom livro e quase completando todos os quadros do Murakami Bingo, enquanto, com esse livro, não marquei quase nada.

Um comentário:

  1. Ainda não li nada do Murakami, mas cada vez que vejo alguma coisa sobre ele fico mais curiosa e mais ansiosa pra ler. Baixei algumas coisas pro kindle, mas ainda não me decidi por onde começar.
    Tenho a impressão que esse é um daqueles autores que nem li, mas já gosto muito haha

    Beijos

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