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quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Les Amants Réguliers (Amantes Constantes) - Philippe Garrel [2005]


Eu tenho esse fascínio pela década de 60 que muitos de vocês já conhecem, foi isso que me levou a me interessar pelas crises políticas da época (a ditadura militar brasileira, os hippies e a contracultura nos EUA, a primavera de Praga, e os eventos de maio de 68 em Paris). Fiquei sabendo em meio às minhas pesquisas particulares da existência desse filme e logo o baixei e assisti. O diretor é Phillipe Garrel, que, em 68, fez parte da revolução, ao lado de Godard e Truffaut. Esse filme, Les Amant Réguliers (não confundam minha preferência pelo título original com pedantismo ou francofilia, é porque o título nacional é composto de duas palavras que rimam e vocês não fazem ideia do quanto isso me incomoda), é de 2005, mas tenta recapturar o espírito daquela época. Sem colocar a carroça na frente dos bois, li sobre a possibilidade desse filme ter sido uma resposta a Os Sonhadores (The Dreamers), do Bertolucci, de 2003, que trata mais ou menos do mesmo tema, a diferença sendo The Dreamers mais focado no lado erótico/sexual, e Les Amants... mais filosófico/introspectivo (não contendo uma só cena de nudez). Em uma cena, inclusive, uma personagem se volta à câmera e cita Antes da Revolução (Prima della rivoluzione), de 64, enunciando muito bem ao espectador o nome de quem dirige: Bernardo Bertolucci. Pode ou não ter sido um cutucão, um jeito discreto de dizer: você costumava se importar. Isso foi o que um crítico disse, e vocês sabem como são os críticos. Como nunca ouvi nem Garrel nem Bertolucci falarem nada sobre isso, e até onde sei os dois são amigos, não tomarei partido no caso. Mencionei apenas caso algum leitor mais informado quisesse me esclarecer.


Os conflitos entre os estudantes e os policiais na França em 1968 (época em que o governo era bastante conservador) estão cada vez maiores e mais violentos. Um grupo de jovens artistas, entre eles o poeta François (Louis Garrel) e a escultora Lilie (Clotilde Hesme), tem hábito de se reunir na casa de um amigo deles para fumar ópio, trabalhar, discutir, dançar e planejar os próximos passos da revolução. Um policial um dia vai à casa de François para perguntar porque ele não se apresentou para o exame militar obrigatório. Ele se recusa a ir com o policial e, quando este busca reforços, ele foge. Depois desse evento, François se torna mais engajado na revolução.


Em um dos "ataques", ele conhece Lilie e a reencontra numa das festas dadas na casa do "padrinho" deles todos. Os dois iniciam um relacionamento, ela tem dificuldades com a monogamia no começo, mas logo se apaixonam. A revolução, agora em 69, já foi em sua maior parte esquecida. Os trabalhadores voltaram a trabalhar e os estudantes à universidade.


É um filme de três horas, então já adianto que é indicado apenas aos que se interessam pelo tema e/ou gostam de histórias envolvendo artistas drogados e seus muitos questionamentos que os impedem de trabalhar. Se você gosta desse tipo de história (eu gosto), não será chato, as três horas passarão voando. Perfeito também para os aficionados sobre a época, já que o filme parece ter o objetivo de mostrar um retrato preciso do que foi viver naquele tempo, feito por um diretor que o viveu, lutou na revolução junto das tantas personalidades do período. Isso não quer dizer que o retrato seja romantizado ou ausente de críticas, pelo contrário, o vazio das personagens é bem demonstrado e a falta de sentido generalizada é muito bem explorada.


Estéticamente, Les Amants Régulier é uma homenagem à Nouvelle Vague. Preto e branco, cheios de diálogos tirados de livros de filosofia existencialista francesa, música somente quando necessário, quebras da quarta parede, referências a outras artes, jump-cuts, até mesmo as personagens têm um quê de godardianas, sendo que suas interações parecem cortadas diretamente dos filmes da primeira fase do auteur.


Não tem jeito de eu ser objetivo aqui. O filme, apesar de longo - uns diriam, sem estarem errados, longo demais -, tem tudo que eu gosto, trata de vários assuntos que me interessam, desde a liberdade sexual à liberdade criativa. Isso não me impede de entender que não é para todos. E não, isso não é uma dessas frases elitistas, como se o filme fosse muito complexo ou denso para certas pessoas, que, por isso, seriam inferiores. De forma alguma, muito pelo contrário. O que eu quero dizer é que ele pode ser extremamente desinteressante para muitos, e, para esses, sugiro qualquer outro filme. Talvez até algo do Godard, que com certeza é menos pessoal que esse filme do Garrel.

Nota: 5/5   

Um comentário:

  1. Gosto muito de Os Sonhadores, da Nouvelle Vague e do Garrel. Esse filme está na minha lista há séculos, mas até hoje não assisti!
    Vou subi-lo de posição e quando assistir comento com você! Nós temos o gosto bem parecido :)

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