Páginas

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Lanterna Mágica (Laterna Magica) - Ingmar Bergman [1987]

 

Um agravante à insegurança ao se preparar para fazer uma resenha é a procrastinação. Terminei de ler esse livro ano passado, certo de que teria uma resenha genial para fazer - tenho tendência a ignorar a humildade antes de começar um projeto, que culpa tenho eu que tudo soa muito melhor na minha cabeça que no papel? -, então li a introdução escrita por Woody Allen, porque, sim, eu leio as introduções e prefácios somente após de ter lido o livro, pois assim evito que as ideias dos outros influenciem minha leitura. Pronto, a merda estava feita, nada do que eu venha a escrever aqui seria tão bom quanto o texto do Woody Allen, que conseguiu ser pessoal, brevemente analítico mas sem afetações, e engraçado. Bom, não sou Woody Allen, muito menos sou Ingmar Bergman, mas acho que sou o suficiente para vocês, nobres doutores, que me leem.


Não tem muito o que se dizer sobre a sinopse de Lanterna Mágica, de Ingmar Bergman, além de que é uma autobiografia - a primeira autobiografia que li. Agora vou falar bastante sobre o livro e, consequentemente, Ingmar Bergman, então é melhor que eu explique quem ele é, caso alguém aqui não saiba. Ingmar Bergman foi um cineasta sueco, o mais conhecido de seu país e um dos mais importantes da história do cinema (já resenhei aqui o clássico Morangos Silvestres, e vi Sétimo Selo duas vezes, mas não tive coragem de resenhar). Mas Lanterna Mágica não fala sobre cinema, só muito brevemente. O título, por exemplo, é uma referência a um brinquedo que Bergman teve como criança, uma espécie de projetor que mostrava uma história infantil com imagens - lanterna mágica em si foi o nome que deram ao projetor que veio antes do cinema, mas após o cinema ele virou um brinquedo infantil. Grande parte do livro é dedicada à infância e adolescência do cineasta, e não espere aqui uma história graciosa, contada por uma celebridade afim de alimentar seu próprio ego. Bergman é sincero, quase rancoroso em alguns momentos (principalmente em relação ao seu pai). Ele conta ao mundo as coisas que a maior parte de nós prefere manter em segredo. Então, quando ele se dedica a falar da sua própria arte, não fala dos seus sucessos cinematográficos, mas dos fracassos, da luta por orçamento, dos seus esforços no teatro - meio que ele mais parece amar. Fala um pouco das suas influências também, artísticas e filosóficas, mas a base da obra está no intimo, não nos detalhes de produção da peça, mas da diarreia que ele sofre sempre que uma estreia se aproxima; não dos muitos prêmios e admiradores, mas de quando foi preso por sonegação fiscal durante um ensaio. Ele não enfeita sua vida, não esconde o desagradável, apenas conta o que aconteceu.

É difícil para mim indicar esse livro, por melhor que seja, para alguém que não conheça ou não se interesse pelo diretor. Para que a leitura seja plenamente agradável, é importante - não exatamente necessário - que o leitor tenha visto um ou dois filmes dele pelo menos, apenas o suficiente para que as ideias dele também se tornem interessantes. O que não quer dizer que seja um livro ruim, pelo contrário. Ele escrevia seus roteiros e, se você já viu algum filme dele, sabe que ele é cheio de monólogos e narrações bastante literárias. A prosa de Bergman é seca, mínima, sem floreios, mas precisa e sentimental, intima, como se ele estivesse te contando as histórias pessoalmente, direto ao leitor.


Não há nenhum detalhe técnico literário que eu possa explorar. É somente uma autobiografia, mas uma autobiografia muito boa. O que mais tem por aí são artistas falando de suas lutas, histórias de superação  - quem a esse ponto já não sente náuseas ao ouvir falar de histórias de superação? -, histórias de sucesso. É raro um ser humano ter coragem de falar daquilo que o envergonha, daquilo que o humilha, sem se vitimizar ou escrever logo em cima uma reviravolta heroica. Para mim, esse tipo de biografia perde a humanidade, tem a intenção de tornar a pessoa um mito. Esse foi meu grande alívio com Lanterna Mágica, tanto que o livro me prendeu.

Também não esperem ver uma biografia do tipo: tudo começou no ano tal, quando eu nasci no determinado hospital da respectiva cidade, no dia tal, hora tal. Não, ele não segue uma estrutura linear. Ora ele fala de uma surra que levou do pai, então pula para o dia que ele perdeu a virgindade, então volta para a infância e como ele gostava de se esconder no armário para brincar com a Lanterna Mágica. Ele pula entre os vários pontos que ele julga relevantes tratar. É bom lembrar então, não leia esperando um "por trás das cenas" de suas várias gravações. Acho que Sétimo Selo nem é mencionado durante o livro todo, e pouco se fala dos livros que chegam a ser citados. Em muitos momentos, ele parece não citar de propósito o nome dos filmes aos quais ele faz referência, para fugir dessa parte da vida dele, a parte que o tornou famoso.


Por agora vocês já devem ter reparado que se trata de um bom livro, mas vou reafirmar para os que possam não ser tão rápidos: é uma ótima autobiografia, melhor se você sabe quem é o autor - obviamente. Bem escrita, melhor que muitos romances, honesta, sem os problemas típicos que envolvem um autor falando de si mesmo, e, por ser da Cosac Naify, ainda vem em uma bela edição de capa dura. Indico a leitura, com as restrições já mencionadas.

Nota: 4/5

Nenhum comentário:

Postar um comentário

caixa do afeto e da hostilidade