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quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Alguns Poemas Traduzidos - Raymond Carver


Olá, você que ainda esbarra com esse canto obscuro e empoeirado da internet. Eu lancei um livro semana passada. Tá na Amazon. Talvez você goste de ler.

O link: https://tinyurl.com/yy394a8y

Meus agradecimentos a quem vier a comprar. Comprou? Leu? Gostou? Deixa lá um comentário pras pessoas ficarem sabendo que o livro é bacana.



Dando sequência as minhas traduções de poemas, gostaria de mostrar aos leitores desse blog, que possam desconhecer, o trabalho de Raymond Carver. Diferentemente de Michael Ondaatje, Carver já fora bastante traduzido para o português, contudo eu nunca tive contato com nenhuma de suas coletâneas de poesias traduzidas, nem acho que elas ainda estão em circulação. Além da poesia, Raymond Carver dedicou sua carreira aos contos, formando um estilo descrito como minimalista e realista, mais focada no realismo sujo do proletariado americano, os rejeitados do American Dream. Ao longo de sua vida, escreveu as coletâneas "Cathedral", "What We Talk About When We Talk About Love" (que é uma versão totalmente cortada da coletânea mais tarde relançada em versão integral, "Beginners"), "Will You Please Be Quiet, Please?", entre outros, sendo, no Brasil, as únicas coletâneas em circulação "Iniciantes" ("Beginners") e "68 Contos de Raymond Carver", ambas editadas pela Companhia das Letras. Vamos aos poemas:

Your Dog Dies

it gets run over by a van.
you find it at the side of the road
and bury it.
you feel bad about it.
you feel bad personally,
but you feel bad for your daughter
because it was her pet,
and she loved it so.
she used to croon to it
and let it sleep in her bed.
you write a poem about it.
you call it a poem for your daughter,
about the dog getting run over by a van
and how you looked after it,
took it out into the woods
and buried it deep, deep,
and that poem turns out so good
you're almost glad the little dog
was run over, or else you'd never
have written that good poem.
then you sit down to write
a poem about writing a poem
about the death of that dog,
but while you're writing you
hear a woman scream
your name, your first name,
both syllables,
and your heart stops.
after a minute, you continue writing.
she screams again.
you wonder how long this can go on.

Seu Cão Morre

é atropelado por uma vã.
você o encontra à beira da estrada
e o enterra.
você se sente mal quanto a isso.
você se sente mal pessoalmente,
mas se sente mal por sua filha,
porque era o animal de estimação dela
e ela o amava tanto.
ela costuma cantarolar para ele
e o deixava dormir na cama dela.
você escreve um poema sobre ele.
você o chama de um poema para sua filha,
sobre o cão sendo atropelado pela vã
e como você cuidou dele,
o levou para a mata
e o enterrou fundo, fundo,
e o poema acabou tão bom
que você está quase feliz que o cachorrinho
foi atropelado, do contrário você nunca teria
escrito esse bom poema.
então você se senta para escrever
um poema sobre escrever um poema
sobre a morte daquele cachorro,
mas enquanto  você escreve você
escuta uma mulher gritar
seu nome, seu primeiro nome,
ambas as sílabas,
e seu coração para.
depois de um minuto, você continua escrevendo.
ela grita de novo.
você se pergunta por quanto tempo isso pode continuar.
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Fear

Fear of seeing a police car pull into the drive.
Fear of falling asleep at night.
Fear of not falling asleep.
Fear of the past rising up.
Fear of the present taking flight.
Fear of the telephone that rings in the dead of night.
Fear of electrical storms.
Fear of the cleaning woman who has a spot on her cheek!
Fear of dogs I've been told won't bite.
Fear of anxiety!
Fear of having to identify the body of a dead friend.
Fear of running out of money.
Fear of having too much, though people will not believe this.
Fear of psychological profiles.
Fear of being late and fear of arriving before anyone else.
Fear of my children's handwriting on envelopes.
Fear they'll die before I do, and I'll feel guilty.
Fear of having to live with my mother in her old age, and mine.
Fear of confusion.
Fear this day will end on an unhappy note.
Fear of waking up to find you gone.
Fear of not loving and fear of not loving enough.
Fear that what I love will prove lethal to those I love.
Fear of death.
Fear of living too long.
Fear of death.

I've said that.

Medo

Medo de ver um carro de polícia na sua calçada.
Medo de pegar no sono à noite.
Medo de não pegar no sono.
Medo do passado vindo à tona.
Medo do presente decolando.
Medo do telefone que toca na calada da noite.
Medo de tempestades elétricas.
Medo da faxineira que tem uma pinta na bochecha!
Medo dos cães que, me foi dito, não vão morder.
Medo da ansiedade!
Medo de ter que identificar o corpo de um amigo morto.
Medo do dinheiro acabar.
Medo de ter muito, apesar de que as pessoas não acreditarão nisso.
Medo dos perfis psicológicos.
Medo de me atrasar e medo de chegar antes de todo mundo.
Medo da letra dos meus filhos em envelopes.
Medo de que eles vão morrer antes de mim, e eu vou me sentir culpado.
Medo de ter que viver com a minha mãe em sua velhice, e a minha.
Medo da confusão.
Medo que esse dia termine em um tom infeliz.
Medo de acordar e ver que você partiu.
Medo de não amar e medo de não ter amado o suficiente.
Medo de que o que eu amo vai ser fatal para aqueles que eu amo.
Medo da morte.
Medo de viver por muito tempo.
Medo da morte.

Eu disse isso.
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What The Doctor Said

He said it doesn't look good
he said it looks bad in fact real bad
he said I counted thirty-two of them on one lung before
I quit counting them
I said I'm glad I wouldn't want to know
about any more being there than that
he said are you a religious man do you kneel down
in forest groves and let yourself ask for help
when you come to a waterfall
mist blowing against your face and arms
do you stop and ask for understanding 
at those moments
I said not yet but I intend to start today
he said I'm real sorry he said
I wish I had some other kind of news to give you
I said Amen and he said something else
I didn't catch and not knowing what else to do
and not wanting him to have to repeat it
and me to have to fully digest it
I just looked at him
for a minute and he looked back it was then
I jumped up and shook hands with this man who'd just given me
something no one else on earth had ever given me
I may have even thanked him habit being so strong

O Que O Médico Falou

Ele disse que as coisas não vão bem
ele disse que na verdade vão muito mal
ele disse eu contei trinta e dois deles em um pulmão uma vez
eu desisti de contá-los
eu disse que fico feliz eu não queria saber
sobre nada mais estando ali que isso
ele disse você é um homem religioso você se ajoelha
em arvoredos florestais e se deixa pedir por ajuda
quando você vai a uma cachoeira
a névoa soprando contra seu rosto e braços
você para e pede por entendimento
nesses momentos
eu disse ainda não mas pretendo começar hoje
ele disse sinto muito ele disse
eu queria que eu tivesse outro tipo de novidade para te contar
eu disse amém e ele disse alguma outra coisa
que eu não entendi e não sabendo mais o que fazer
e não querendo que ele tivesse que repetir
e eu tendo que digerir tudo aquilo
eu só olhei para ele
por um minuto e ele me olhou de volta foi então que
eu saltei e apertei as mãos desse homem que tinha acabado de me dar
algo que ninguém no mundo nunca havia me dado
eu posso até ter agradecido a ele por força do hábito
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The Best Time Of The Day

Cool summer nights.
Windows open.
Lamps burning.
Fruit in the bowl.
And your head on my shoulder.
These the happiest moments in the day.

Next to the early morning hours,
of course. And the time
just before lunch.
And the afternoon, and
early evening hours.
But I do love

these summer nights.
Even more, I think,
than those other times.
The work finished for the day.
And no one who can reach us now.
Or ever.

A Melhor Hora Do Dia

Noites frescas de verão.
Janelas abertas.
Lâmpadas queimando
Frutas na tigela.
E sua cabeça no meu ombro.
Esses são os momentos mais felizes do dia.

Próximo das primeiras horas da manhã,
é claro. E da hora
um pouco antes do almoço.
E da tarde, e
até das primeiras horas do anoitecer.
Mas eu amo de verdade
essas noites de verão.
Mais até, eu acho,
que essas outras horas.
O trabalho do dia terminado.
E ninguém que possa nos alcançar agora.
Ou nunca. 
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Todos os poemas são de autoria de Raymond Carver.
Todas as traduções são de minha autoria, Raphael Dias.

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E como todo poeta tem sua musa, deixarei como bônus um poema da musa de Carver, Tess Gallagher.

Agora Que Eu Nunca Estou Sozinha

Na banheira eu olho para cima e vejo a mariposa marrom
espremida como um par de lábios imprevisíveis
contra a parede branca. Eu aqueço
a água, correndo tão quente quanto eu possa suportar.
Aquelas mãos sobre meu ombro - como uma vez
ele puxou minha cabeça contra sua coxa e banhou
um riacho pelo meu pescoço da mais fria água da fonte
da qual nós bebíamos. Bela travessura
que paralisa um momento para que eu nunca olhe
para trás. Apenas o agora, mais brilhante agora, e a água
nunca quente o bastante para dar fim a esse arrepio.

Mas eu me lembro da solidão - nenhuma outra
presença e cada coisa era o que era. Não esse bruto
tremular no qual te faço como você fez de mim
sua fogueira, sua luz mortal.

Now That I am Never Alone

In the bath I look up and see the brown moth
pressed like a pair of unpredictable lips
against the white wall. I heat up
the water, running as much hot in as I can stand.
These handfuls over my shoulder—how once
he pulled my head against his thigh and dipped
a rivulet down my neck of coldest water from the spring
we were drinking from. Beautiful mischief
that stills a moment so I can never look
back. Only now, brightest now, and the water
never hot enough to drive that shiver out.

But I remember solitude—no other
presence and each thing what it was. Not this raw
fluttering I make of you as you have made of me
your watch-fire, your killing light.

Autoria de Tess Gallagher, traduzido por Raphael Dias.  



Obs.: Ah. É halloween. Veja o quanto eu me importo.

Um comentário:

caixa do afeto e da hostilidade