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segunda-feira, 27 de maio de 2013

Tony Takitani (2004) - Jun Ichikawa


É impressionante como, não importando o meio, sempre acabo falando do Murakami por aqui. Mas o que eu posso fazer? O cara é genial e eu não me canso dos trabalhos dele. Depois da decepção que foi o filme de Norwegian Wood, quando eu descobri que havia outra adaptação de uma obra dele, corri para assistir.


Diferentemente de Norwegian Wood, Tony Takitani não é um romance de 360 páginas, e sim um conto, o que torna mais de se roteirizar e passar para o cinema. Este conto trata da história de Tony Takitani (Issei Ogata), filho do trombonista de jazz prisioneiro de guerra sobrevivente, Shozaburo Takitaki (Issei Ogata, e viva ao baixo orçamento!), que perdeu a esposa pouco depois do nascimento do filho. Acontece que o Japão não reagiu bem ao nome americano de Tony, que, sim, não é apelido, é o nome de batismo do moleque. Por causa disso, como todos os personagens de Murakami, ele cresceu solitário, mas nem um pouco incomodado com isso. Tony é artista, mas sempre foi visto como frio e extremamente técnico por seus professores e colegas, desistindo da arte e se tornando arquiteto. Vivia sozinho, até encontrar Eiko  (Rye Myazawa). Os dois se casam, mas surgem complicações quando o vício em compras de Eiko se torna excessivo - e acreditem, não é piada machista, é excessivo mesmo.



Não li esse conto, embora eu queira comprar a coletânea que o contém, Blind Willow, Sleeping Woman; mesmo assim, eu sei que esse conto foi gravado com a mais perfeita precisão, linha por linha, cuidando dos mínimos detalhes, como se o cineasta fosse seu escritor. O filme segue até o estilo de narração - o que eu não contei como ponto positivo por motivos que eu vou mencionar logo -, e, no final, quando eu apontar o resultado do Murakami Bingo, é visível que até as esquisitices, ou melhor dizendo, peculiaridades do Muraka foram obedecidas na filmagem.



Esse filme é excelente, é quase impossível de se reclamar de qualquer coisa. Ele é fiel ao material de origem, tem uma trilha sonora perfeita, direção impecável, atuação surpreendente e uma beleza visual típica do cinema asiático. O elenco foi tão bom, que eu tive que fazer uma pesquisa sobre cada um deles (em outras palavras, fui no IMDB). Jun Ichikawa foi um diretor muito conhecido no Japão, embora não necessariamente apreciado, tendo esta como a sua maior obra. Morreu recentemente, e eu tenho intenção de ver outros filmes dele. Issei Ogata também já fez muitos filmes, inclusive em filmes do Ichikawa e do russo, Sukurov, então isso explica a qualidade. Rye Myazawa, que conseguiu transpor a aflição de um vício incontrolável com uma sutileza raríssima, já é mais conhecida por uns papéis inocentes em séries de televisão, no fim da década de 80 e começo de 90. Tudo isso acabou quando ela estrelou em um filme erótico e tirou umas fotos nua. Depois disso, fez alguns filmes bem curiosos, estando Samurai do Entardecer (Tasogare Seibei) na minha lista de futuras resenhas.


Agora o grande problema do filme, aquilo que fez com que ele perdesse, não só a nota máxima, mas um ponto inteiro. O filme, como eu já disse, usa narração, tal qual o conto do qual ele se origina. Isso indica fidelidade, uns de vocês vão me dizer, mas não. Narração só existe na literatura, em se tratando de exposição de enredo e descrição visual, pela falta de imagens, ou seja, não podendo mostrar, eles contam. Nesse caso, a imagem está na sua frente, acontecendo, mesmo assim tem um cara narrando ela pra você. Não é sempre. Se você, o filme seria insuportável. Mas acontece vezes demais e em cenas desnecessárias demais para ser ignorado. Esse é o único problema da obra inteira, exagerar na fidelidade, usando artíficios literários que não se traduzem bem no cinema, quando não usados com cuidado. Godard usava narração o tempo todo, mas ela não descrevia a cena e sim o momento, os pensamentos, o clima da situação. Esse filme só te diz o que está acontecendo, mesmo você já sabendo ou podendo captar. Irrita um pouco, mas não prejudica tanto a obra a ponto de deixá-la ruim, às vezes - quando a narração e a fala se misturam e se complementam - até funciona. Para aqueles que são fãs de Murakami, viram Norwegian Wood e se decepcionaram, vejam Tony Takitani. Não é fã do Murakami, mas quer um bom filme, então leia Murakami e veja o filme.


Nota: 4/5

Resultado do Bingo Murakami:
Não foi dessa vez...

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