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sábado, 22 de setembro de 2012

Bonequinha de Luxo (Breakfast at Tiffany's) - Livro x Filme


Deixe-me lhes contar sobre como se deu início o meu fascínio, ou tara, pelo olhar feminino. Tinha quinze anos quando a conheci, uma garota espetacularmente linda. Ela era loura e pequena e tinha um sorriso hipnotizante, constante e fixo. Ela era tudo isso, e o leitor terá que me perdoar as imprecisões, mas não a vejo faz quatro anos. Ela costumava sentar-se em minha frente na sala de aula e, durante as aulas de física, começaríamos uma disputa imutável de jogo da velha - que sempre terminava em empate -, e me olhar com aquelas janelas azuis - ou seriam verdes? Minha memória não tem mais quinze anos infelizmente - curiosas e exploradoras. Sentia que ela poderia me pedir qualquer coisa, tirar qualquer coisa, descobrir qualquer coisa, olhando-me daquela maneira. Infelizmente eu era muito estúpido, na época, para compreender e muito tímido para aproveitar. Meus momentos com ela são os maiores arrependimentos da minha vida, e fique sabendo que eu não sou um desses idiotas que saem por aí dizendo não ter tristezas ou arrependimentos - só os vegetais e as crianças eternas não se arrependem. Hoje essa história é só uma bela memória, e o olhar dela foi logo substituído por outro, que foi substituído por outro, e outro por este. Só me resta a marca mental que ela me deixou, a marca que toda a grande mulher deixa em um homem, quando parte.

Holly Golightly é uma dessas, se não a grande mulher da literatura internacional. A mulher que escraviza, tortura e fascina o narrador - o aspirante a escritor, o qual Holly chama de Fred (nome de seu irmão) - e uma série de outros homens. O livro de 1958, conhecido no Brasil por Bonequinha de Luxo (Truman Capote), virou filme em 1961, dirigido por Blake Edwards.

Vi o filme antes de ler o livro, e sugiro a todos, que se interessarem pela história após essa resenha, que façam o mesmo. O filme é excelente, no entanto, se visto após a leitura do livro, vira um lixo, o que é uma pena, considerando que Bonequinha de Luxo, o filme, é uma experiência fascinante, graças a bela atuação de Audrey Hepburn (pra mim, a mulher mais linda que já existiu. Sério, tente encarar a foto no começo do post e não se sentir paralisado) e o roteiro bem executado, leve, mas sem cair no padrão das comédias românticas. Quase como um Roman Holiday, exceto que este não é uma adaptação de romance e é bom independente das circunstâncias.

O livro, como sempre, é extremamente superior ao filme. Tanto que torna o que, de outro modo, seria uma experiência cinematográfica interessante, em um romancezinho pretensioso e mal executado. Após ler o livro, a única coisa que me pareceu aproveitável no filme foi a cena inicial, com Audrey Hepburn saindo de um táxi, ou seria limousine, com um saco que contém seu café da manhã, caminhando lentamente em frente as vitrinas do Tiffany's, mordiscando seu sanduíche de forma melancólica. É uma excelente apresentação de personagem e, se o filme se mantivesse fiel ao livro em todos os momentos, hoje seria um dos melhores da história do cinema.

Infelizmente estamos falando da década de 60. A personalidade literária de Holly, criada por Capote, é polêmica até nos dias de hoje. Uma moça livre, tanto pessoal, quanto sexualmente, que não vê no homem um protetor, ou um parceiro, mas um meio para alcançar o estilo de vida que ela desejava. Ainda assim, não tão superficial a ponto de achar que o que ela faz é ideal. Somente não acredita no ideal. A curiosidade de Holly quanto ao homossexualismo é completamente apagada, embora as referências ao possível desejo incestuoso com relação ao seu irmão seja mantida, embora de forma bem mais sútil. Na realidade, todo o homossexualismo foi apagado, inclusive do protagonista, que de acordo com o próprio Capote, era gay, mesmo o livro não explorando esse lado. Se o filme não explorasse esse lado tampouco, não haveria problema, mas parece que os responsáveis pela adaptação queriam modificar o narrador por completo.

Existia no livro, um interesse romântico entre o narrador e Holly, mas era um tanto relutante e surpreendente para ele. Enquanto na adaptação ele é uma espécie de gigolô, sustentado por uma senhora rica, e não só se apaixona por Holly, como também... não vou dar spoilers, está decidido.

Muitas pessoas que leram o livro, não gostaram da interpretação de Audrey para Holly, nem mesmo Capote, que via sua amiga Marilyn Monroe no papel. É verdade que a personalidade de Marilyn é mais compatível com a personagem, contudo, o jeito, a delicadeza, a simplicidade e a beleza humana de Audrey me convenceram de que a interpretação não foi ruim, toda a falha é de responsabilidade do roteirista e da época. Não vou entrar no mérito de qual atriz seria melhor, pois não poderia ser imparcial. Acho que ambas fariam um trabalho igualmente interessante, em suas diferenças.

Se você for um desses idiotas que precisa ter os genitais de seus sentimentos esfregados a todo o instante, somente veja o filme e ignore o livro. Se você estiver atrás de uma excelente história e experiência cultural, veja os dois, mas o filme primeiro.
 
Nota: livro: 4,5 / filme: 4,0 (antes da leitura); 3,0 (depois da leitura)


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